Nesses dias incertos em que vivemos os efeitos das duas crises, a real e a imaginária, convém relembrar uma parábola muito sugestiva:
Conta-se que o filho de um humilde empresário, que sempre prosperou vendendo salgadinhos na rua, foi mandado pelo pai aos Estados Unidos para fazer um MBA numa das melhores universidades daquele país. Motivo de orgulho para o pai, que mal teve a chance de completar o curso primário, o filho retornou dois anos depois, com o canudo debaixo do braço e usando palavras que o pai mal conseguia compreender, mas que provavam que valera a pena todo o sacrifício. Ele logo pediu o balanço da empresa. Queria dar uma olhada nos negócios.
O filho, então, passou a falar de uma certa crise que estaria sendo muito comentada, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Crise que o pai ainda não tinha sequer ouvido falar. Pudera: não tinha o hábito de ler jornais e revistas, não assistia aos noticiários da TV, só trabalhava duro e pensava em investir cada vez mais no seu bom negócio, que, aliás, nunca estivera tão bem.
“O quê?”, disse o filho, “o senhor deve estar maluco! Não demora muito e a crise vai chegar. Mais alguns meses e todos estarão falidos. Precisamos tomar providências urgentes, principalmente agora, que as finanças estão em ordem, os clientes nunca estiveram tão felizes e nunca tivemos tanto lucro. Não demora muito e tudo isso vai acabar”.
Assustado, o pai quis saber o que poderia ser feito. E rapidamente! “Vamos analisar os produtos da empresa”, disse o filho, “e, depois, pensar numa forma de conter os custos, otimizando o faturamento a curto e médio prazo”.
Combinaram que iriam diminuir em 50% o número de carrinhos que vendiam salgados na rua, cortando os funcionários –promovendo um headcount, como gostava de dizer. Aumentariam o preço dos produtos mais vendidos, de forma que o faturamento não caísse tanto com as vendas menores, já que a produção seria cortada pela metade. Aquele negócio de colocar duas azeitonas de cores diferentes na empada, que fazia tanto sucesso e era uma das marcas registradas da empresa, teria que acabar. Em momentos de crise, não há mais espaço para excentricidades.
O pai agradeceu, emocionado. O que seria dele sem aqueles conselhos?
Poucos meses após a implementação das medidas, o negócio começou a fracassar, graças à crise que, enfim, havia chegado de vez, como o filho havia anunciado. Os clientes foram desaparecendo, os custo aumentaram e logo não tiveram outra saída a não ser vender a empresa.
Hoje, quando lembram daqueles dias difíceis, o pai olha para o diploma do filho pendurado na parede e diz: não fossem os conselhos do meu filho, não teríamos sequer vendido a empresa a tempo de recuperar parte do capital investido.
Crise real é o que resta, quando separamos grande parte daquilo que, por alguma razão, acrescentamos aos fatos, por conta da nossa imaginação. Fizéssemos o exercício de subtrair o que realmente importa, boa parte das consequências da crise anunciada seria minimizada. Nossa mente é muito fértil quando a palavra “crise” começa a ser pronunciada pelos quatro cantos. Eu e você conhecemos muita gente que trabalha o tempo todo com a hipótese do desastre iminente. Pior: suas decisões passam a ser baseadas nisso.
O mais grave é que, no final, poucos conseguem tirar lições úteis daquilo que vivenciaram a duras penas. Diferente dos chineses que, culturalmente, entendem crise como paradigma de oportunidade e de mudança, nós a compreendemos como castigo e consequência de decisões erradas do passado, ou seja, nunca temos muito a ver com ela.
Em média, a cada 10 anos temos uma nova grande crise no mundo. Houve a crise de 88, a de 98 e essa agora. A continuar assim, em 2029 estaremos comemorando o centenário da derrocada da Bolsa de Nova York em meio a uma nova crise.
Alguns executivos e empresários procuram pensar de maneira independente, mediante os fatos reais, antes de tomar alguma decisão maior. O tipo de conhecimento que executivos e empresários necessitam nesse momento não se resume apenas à experiência na condução de empresas em crise. Precisam, também, de alguém que os provoque para que possam olhar a realidade com novos olhos, levando em consideração o seu potencial e a sua capacidade de pensar e agir com as próprias ideias, separando o real do imaginário.
O paradigma do corte de pessoal para cortar despesas sempre vem à tona nessas ocasiões. As empresas sempre têm alguma gordura para queimar, independentemente de haver ou não alguma crise. Isso é fruto da falta de planejamento de pessoal e de estratégia de longo prazo. O conhecido “facão”, porém, dizima cabeças de forma indiscriminada. Tiram a gordura, os músculos e os nervos até que o osso comece a aparecer. O cérebro apaga e, enquanto os números no final da planilha não mostrarem um verde diferente, ninguém se dá por contente. Grande parte dos dirigentes se esquece da maneira como pensavam poucos meses antes.
A empresa começa a ruir quando seus valores e crenças, de repente, não mais conseguem exercer nenhuma influência sobre suas decisões, as quais são baseadas tão somente em números e naquilo que o mercado financeiro diz. E esse mercado, todos já devem ter notado, diz uma coisa diferente a cada dia!
Como dizia o Psicanalista Carl Gustav Jung, “Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda”.
Gilberto de Moraes - É psicólogo, coach e professor de Administração de Recursos Humanos e Psicologia.
Fonte: HSM Management - Site Oficial
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